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Não é razoável que um município com baixo IDH gaste uma fortuna com shows, diz presidente do TCE

Em entrevista aos editores da coluna Sim&Não, Luana Carvalho e Dante Graça, o presidente do Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), conselheiro Érico Desterro, disse que a Constituição garante aos municípios do interior a realização de eventos ligados à cultura, mas que as prefeituras não deveriam “gastar uma fortuna com contratações de show” de artistas nacionais.

Desterro citou como exemplo a realização do Festival Folclórico de Parintins que para ele a aplicação de recurso público nesta festividade tem retorno econômico para a população.

O presidente ainda explicou que a ação do Tribunal visa apenas exigir explicações sobre as contratações e não substituir o prefeito.

“A questão é muito simples: não é razoável que um município que tenha baixíssimo Índice de Desenvolvimento Humano que não atendeu basicamente a necessidade da população gastar uma fortuna com contratações de shows, às vezes sem muita a ver com a nossa realidade”, disse.

Abaixo, trechos da entrevista com Érico Desterro:

Dante Graça: O que é ilegal ou não nas contratações de show de artistas e porque só depois de uma repercussão nacional teve uma maior olhar para essa situação? 

Da minha parte, há muitos anos, antes da pandemia, já tive a oportunidade de suspender shows. Não pelo show em si, não é dizer que não pode fazer show. O município pode promover eventos ligados à cultura. É um dever do Estado. Inclusive, está na Constituição que a municipalidade, a administração pública como um todo, tenha políticas públicas incentivando manifestações culturais. Diante da repercussão recente, recomendamos aos municípios que adotassem certas medidas a respeito de contratações. Não só o Tribunal de Contas, mas o Ministério Público através da sua Corregedoria. A questão é muito simples: não é razoável que um município que tenha baixíssimo Índice de Desenvolvimento Humano que não atendeu basicamente a necessidade da população gastar uma fortuna com contratações de shows, às vezes sem muita a ver com a nossa realidade.

Isso não é uma regra geral. Por exemplo, o festival de Parintins é um festival consagrado que movimenta a economia daquela região toda. É um fato conhecido que o que se gasta tem retorno. O tribunal não pode dizer ao gestor que não faça ou substituir o prefeito. Negativo. Porém, o Tribunal tem a obrigação de questionar certas despesas excessivas e é isso que temos feito.

Luana Carvalho: Como o TCE irá fiscalizar as contas dos municípios que decretaram estado de emergência por conta da pandemia? Será mais desafiador?

Provavelmente, sim. Será um dado complicador porque temos que ponderar o que aconteceu. Todos nós vivemos isso. Não é novidade para ninguém. As dificuldades aumentaram em 2020 e 2021. O tribunal não parou de funcionar, adotamos certas medidas para acompanhar a despesa. Logo no início da pandemia houve problema na execução de despesas, tanto no âmbito municipal e estadual, mas houve correção de rumo as administrações começaram a corrigir certos erros que foram cometidos e que o tribunal apontou. Agora estamos instruindo as prestações de contas desta época muito prejudicadas. Não mandamos equipe para fiscalizar o interior no época, estamos fazendo com algum atraso. E isso tem impacto.

Luana Carvalho: Como funciona a fiscalização feita pela Corte no interior?

Este ano tomamos a decisão de fazer uma incursão no interior. Pretendemos fiscalizar todos os municípios. Essa presença do tribunal no interior é muito importante. Poderíamos até visualizar a hipótese em alguns lugares de nem irmos. Mas para o cidadão do interior é importante a presença física do tribunal. Estamos desenvolvendo alguns programas interessantes com a ouvidoria e a escola de contas de o tribunal estar mais presente no interior e permitir ao cidadão interiorano tão distanciado tenha uma referência no TCE para solicitar informações, denúncia. É muito importante que o tribunal vá ao interior. Há dificuldades, mas faremos as fiscalizações com todas as dificuldades e estamos nos preparando para dar uma resposta adequada aos problemas ponderando as dificuldades destes últimos dois anos.

Dante Graça: De que forma a tecnologia ajuda nesse trabalho de fiscalização?

Se tem algum ponto positivo da pandemia, talvez seja o fato que avançarmos demais no uso de instrumentos alternativo de comunicação e de trabalho, um trabalho em casa. As nossas sessões do tribunal durante esses dois anos e nesse quesito a presidência do conselheiro Mário de Melo agiu muito rápido. O Tribunal de Contas foi um dos primeiros a se colocar virtualmente. Muito coisa aprendemos nessa época e estamos já evidentemente nos valendo dos avanços tecnológicos para melhorar a nossa fiscalização. Estamos desenvolvendo programas de detecção de pontos importante para serem fiscalizados para prioridade para certas situações e não perder tempo com situações menores.

Dante Graça: Quais seriam esses pontos?

Por exemplo, grandes obras, grandes contratações. Às vezes, se você não tiver o cuidado de fazer uma mínima triagem e observar certos parâmetros, você vai se perder em um amontoado de papéis e vai gastar o seu tempo. Não tem como dar tratamento para um contrato de um pequeno contrato de fornecimento de alimento lá de uma obra de contenção. Temos que trabalhar isso adequadamente. Afinal de contas, precisamos valorizar o máximo o dinheiro que recebemos do contribuinte para as novas atividades. O que ele espera de nós é mais eficiência, celeridade nas respostas. Isso ainda é um grande problema que o tribunal enfrenta. Temos que ser bem francos e claros. A impossibilidade de dar uma resposta muito rápida.

Já avançamos muito quando começamos a adotar as cautelares ou os provimentos antecipatórios. Com isso, temos parados na origem algum erro de uma licitação. Às vezes, a licitação ocorria, a contratação ocorria e só depois de muito tempo o tribunal se manifestava sobre aquilo e a coisa já estava feita ou não estava feita.

Luana Carvalho: Por que o senhor teve essa ideia de frear passagens e diárias dentro do Tribunal de Contas?

Primeiro, por uma imposição orçamentária e financeira. O dinheiro é limitado, temos um orçamento e precisamos cumprir esse orçamento rigorosamente nos termos que foi aprovado pela Assembleia Legislativa. Verifiquei agora no mês de junho antes do meio do ano que tínhamos algumas despesas muito adiantadas. Então, tive que contingenciar isso. Vamos ter que racionalizar um pouco estes deslocamentos que fazemos muito necessário. Precisamos contingenciar essas despesas com diárias e passagens aéreas. Uma preocupação que eu tinha muito é que se decide viajar muito em cima da hora e o preço da passagem fica lá em cima. Todos nós na nossa vida privada nos programamos porque já sabemos disso. Nós, administradores públicos, precisamos trazer essa mesma lógica doméstica para a administração pública. É uma preocupação usar esses recursos da melhor maneira possível. Se eu exijo contenção de gastos de passagens aéreas e de diárias para os outros eu tenho que ser exemplo nisso também.

Dante Graça: Como o cidadão pode denunciar e se há um planejamento do TCE de abrir sedes no interior do Estado para aproximar a população do interior da corte?

A maioria das nossas demandas são via WhatsApp, email. Temos várias opções por onde encaminhar as denúncias pelo site através da ouvidoria. No site tem um formulário em que o denunciante pode escolher se identificar ou não. Pode se fazer denúncia sob anonimato, aceitamos. Claro que tem que haver um mínimo  de fundamento. O tribunal dá um tratamento diferenciado porque ainda é necessário fazer uma primeira averiguação, mas muitas vezes detectamos indícios e dá uma sequência. Mas às vezes pode ser uma intriga política, usam esse mecanismo de cidadania para politicagem, para fazer denúncia contra um desafeto. Já se cogitou isso, mas se você perguntar a minha posição, sou contrário. Há estados brasileiros que têm isso. O Rio Grande do Sul  se justifica porque é um estado que não tem só Porto Alegre como grande cidade. Talvez aqui justificasse em duas ou três cidades como polos de atração, mas ainda acho que é uma despesa muito alta que o tribunal teria em manter esses núcleos para um resultado limitado. Não há planos, mas não sei o futuro.

Luana Carvalho: Como vai ser a atuação do TCE nas eleições deste ano?

A participação do TCE no que diz respeito ao calendário eleitoral é entregar à Justiça Eleitoral no início do mês de agosto uma relação dos gestores que tiveram nos últimos 8 anos as suas contas rejeitadas pelo Tribunal. A Justiça Eleitoral considera essa lista para uma avaliação de inelegibilidade. Não é o Tribunal de Contas que tem a competência de dizer por quais motivos um candidato é inelegível. O tribunal só diz quem tem as suas contas reprovadas naqueles últimos oito anos. E a Justiça Eleitoral é que vai dizer se é caso ou não inelegibilidade.

Luana Carvalho: Quando será o próximo concurso?

Agora não consigo dizer com franqueza, mas fizemos recentemente um concurso e já preenchemos todas as vagas e isso não é mérito meu. Esse concurso foi feito pelo conselheiro Mário de Melo e preencheu todas as vagas. Sobraram poucas e eu poucas e eu preenchi todas que prometemos no edital. Cumprimos a nossa parte, mas já começamos a chamar outros que não precisamos obrigatoriamente chamar. Há um banco de reserva. Se eu não tenho condição de chamar por motivos orçamentários ou se eu não tenho as vagas, mas há limitações com despesa de pessoal e vários outros aspectos para serem considerados. Se eu pudesse pegar todo mundo e colocar dentro do Tribunal de Contas para melhorar a qualidade do nosso serviço, arejar a Corte com pessoal novo, eu faria.

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