Especialistas apontam que guardas devem fazer mais do que policiamento e prefeitura também deve mobilizar outras secretarias
A segurança pública é um dos temas centrais da eleição em Manaus, com ambos os candidatos do segundo turno prometendo uma Guarda Municipal cada vez mais colada à imagem da Polícia Militar, apesar de ter atribuições limitadas. A disputa envolve o prefeito David Almeida (Avante), que armou a GM e ampliou ações ostensivas, e Capitão Alberto Neto (PL), major da PM e deputado federal que promete concurso e mais armas para “chutar vagabundos de Manaus”.
O tema foi um dos destaques do primeiro debate entre os candidatos do segundo turno, realizado na última quarta-feira (9) pela TV Norte. Em uma pergunta sobre mobilidade urbana, quando falava sobre o transporte público, Alberto Neto afirmou que Manaus é a cidade onde mais são roubados celulares no Brasil e culpou David Almeida pelo problema.
“Isso acontece dentro dos coletivos, que é tua responsabilidade. Não adianta jogar para o governador. Vamos resolver esse problema, vai ter câmera com reconhecimento facial.Vamos integrar tanto a segurança da prefeitura como a do Estado. Bandido vai ser caçado nesta cidade, não vai ter vez”, disse o candidato.
O prefeito David Almeida, que expandiu a atuação da Guarda Municipal durante o seu mandato, deu um passo atrás e disse que o candidato do PL precisava diferenciar as responsabilidades de cada esfera do poder público.
“Manaus é a terceira cidade mais insegurança do Brasil, 27ª do mundo, por falta de investimentos em segurança pública. Você se diz especialista em segurança pública e quer atribuir à Guarda Municipal a questão da segurança, que é de responsabilidade do governo estadual”, afirmou o prefeito.
O trecho no qual David Almeida afirma que Manaus é a terceira cidade mais insegura do Brasil virou peça de campanha de Alberto Neto, que comparou a fala do adversário a uma promessa feita por Almeida, na eleição de 2020, de que Manaus seria mais segura com ele. O vídeo somou mais de 35 mil visualizações no Instagram, quatro horas após ser publicado.
A frequência com que a segurança pública é citada pelos candidatos durante as peças de campanha ou nos debates está relacionada à atenção que o eleitorado dá para esse tema. A pesquisa Quaest divulgada em 3 de outubro, três dias antes do primeiro turno, apontou que 72% dos eleitores afirmaram que a criminalidade é o principal problema de Manaus.
É só estadual?
Embora a afirmação de que “a segurança pública é uma questão estadual” tenha sido repetida ao longo do tempo, a legislação brasileira também prevê atribuições para os entes municipais e federais. É o que explica o conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Eduardo Pazinato.
“A divisão de competências é definida pela Constituição Federal em uma leitura sistemática do artigo 144, à luz do entendimento da segurança como direito social, que consta no artigo 6º da Constituição, ou seja, é um direito que garante outros direitos e que tem eficácia vinculativa. Na prática, vincula todos os entes federados, cada qual com suas competências”, afirma.
De acordo com ele, no caso dos municípios, ainda há outras duas legislações importantes. A primeira é a Lei 13.022/2014, que regulamentou a atuação dos municípios no tema, especialmente o papel dos guardas municipais. A segunda é a Lei 13.675/2018, que criou o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), incluindo os municípios.
Guardas
A Lei 13.022/2014 estabelece que as guardas municipais têm competências como a proteção de bens, serviços e instalações públicas, a colaboração na segurança pública, atuando na prevenção da violência, e a cooperação com outros órgãos de defesa civil. Aos guardas, não é permitido, porém, realizar investigações, cumprir mandados de prisão ou atuar na repressão criminal direta.
“A guarda tem certas funções de policiamento, pode atuar em um flagrante de delito, deve conduzir à delegacia [da Polícia Civil estadual], informar o que ocorreu. Ou seja, pode realizar ações de policiamento, embora não seja reconhecida como polícia. Isso é fato. Outra coisa é a guarda repetir todas as atribuições características da Polícia Militar, que já é uma força estadual grande e que tem a sua própria legislação”, comenta Eduardo.
Outras possibilidades de atuação das guardas, embora menos faladas, são atuação na fiscalização do trânsito, na proteção do patrimônio ecológico e histórico e o desenvolvimento de ações preventivas em situações de calamidade pública ou em emergências, conforme a Lei 13.022/2014.
Em relação à arma de fogo, o conselheiro do FBSP afirma que há previsão de uso pelos guardas desde o Estatuto do Desarmamento, de 2004. Embora haja discordância até mesmo entre especialistas sobre o tema, Pazinato diz que é favorável ao uso do armamento como equipamento de proteção individual, mas faz ressalvas.
“Entendo que a guarda pode ter que usar arma de fogo, mas não é isso que vai definir as atribuições da guarda. As competências de atuação estão definidas no rol da Lei 13.022/2014, e são 18 atribuições. Em algumas delas, a ferramenta de trabalho não é a arma de fogo, como a prevenção da violência dentro das escolas. Nesse caso, a arma é a palavra. Apresentações, atividades lúdicas”, diz.
O que mais?
Embora o debate sobre a segurança pública em nível municipal se concentre no papel dos guardas, a gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Cristina Neme, afirma que as prefeituras podem fazer muito mais para contribuir com a redução dos índices negativos.
“A prefeitura é responsável por uma série de serviços que podem prevenir que as pessoas caiam em situação de violência, seja como vítima ou como autor. A educação de qualidade e o caminho seguro na ida e na volta para a escola são muito importantes. A rede de assistência também precisa estar articulada para identificar situações de vulnerabilidade. Na saúde, recebe crianças e mulheres vítimas de violência e poderia interferir e evitar violências graves futuras, como casos de feminicídio”, comenta.
Outro ponto defendido por ela é a atuação municipal para a identificação das violências mais comuns na cidade, inclusive com divisão por bairro. Os dados poderiam basear atuações direcionadas e que poderiam ser mais efetivas.
“É importante investir recursos e ter, inclusive, guardas municipais que se especializam nessa área de tecnologia, de estatística. A gente precisa de dados para fazer uma boa política pública, saber qual o pior problema, onde se localiza”, defende.
Fonte: Acrítica*