A teia de poder e influência política em Itacoatiara no interior do Amazonas, acaba de ser abalada por uma condenação que lança luz sobre o uso indevido de programas federais e o favorecimento de aliados dentro do município. O vereador Jucinei Freire da Silva, mais conhecido como Ney Nobre, aliado direto do prefeito Mário Abraham (Republicanos), foi condenado pela Justiça Federal a 10 anos, 4 meses e 13 dias de prisão em regime fechado por crimes contra o sistema financeiro nacional.
A sentença foi assinada pelo juiz Thadeu José Piragibe Afonso, da 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Amazonas, em 2 de outubro de 2025, e detalha um esquema de oito financiamentos fraudulentos junto ao Banco da Amazônia (Basa), totalizando R$ 374.289,60 (trezentos e setenta e quatro mil, duzentos e oitenta e nove reais e sessenta centavos). O dinheiro foi obtido dentro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) um fundo federal criado para apoiar pequenos agricultores, mas que, neste caso, serviu de instrumento para desvio e enriquecimento ilícito.
O esquema: laranjas, contratos falsos e fraude no Pronaf
Entre os dias 3 e 9 de outubro de 2012, a agência do Basa em Itacoatiara aprovou uma série de contratos supostamente destinados a agricultores locais. No entanto, as investigações da Justiça Federal revelaram que os beneficiários eram “laranjas”, pessoas cooptadas para figurar como tomadores dos empréstimos sem nunca ter acesso aos valores.
Os recursos eram, segundo a decisão, revertidos em benefício de Ney Nobre e de pessoas de sua confiança, configurando uma fraude em série contra o sistema financeiro. O magistrado apontou que os crimes foram cometidos de forma planejada e continuada, com repetição de modus operandi e ocultação deliberada da origem dos recursos.
“Os fatos demonstram dolo acentuado, com organização e reiteração criminosa, prejudicando não apenas o Banco da Amazônia, mas também o programa federal de apoio à agricultura familiar”, destacou o juiz na sentença.
Além da pena de prisão, Ney Nobre foi condenado ao pagamento de 153 dias-multa, valor calculado sobre o salário mínimo vigente à época.
Aliado político e elo com o poder municipal
A condenação atinge em cheio o núcleo político que sustenta o prefeito Mário Abraham. Ney Nobre é considerado um dos principais articuladores da base governista na Câmara Municipal, com influência direta em votações e decisões estratégicas para o Executivo.
Fontes ouvidas pela reportagem indicam que a relação entre o vereador e o prefeito vai além da política: há vínculos pessoais e troca de apoio em contratos e indicações dentro da prefeitura, o que torna a decisão judicial um golpe simbólico na imagem da atual gestão.
Apesar da gravidade da condenação, até o momento nenhuma manifestação oficial foi feita pela Prefeitura de Itacoatiara ou pelo próprio prefeito Mário Abraham sobre o caso.
Impactos políticos e investigações futuras
Com a sentença em regime fechado, Ney Nobre deve perder o mandato após a notificação da Câmara Municipal, abrindo espaço para uma reconfiguração do grupo político governista. A decisão também pode abrir novas linhas de investigação, especialmente quanto ao destino dos recursos e ao possível envolvimento de outros agentes públicos na obtenção dos empréstimos.
O caso reacende o debate sobre uso político de programas federais e o papel do Basa na fiscalização de créditos rurais — um tema sensível em diversas cidades do interior amazonense, onde a proximidade entre políticos e instituições financeiras ainda facilita a ocorrência de fraudes.
A condenação de Ney Nobre não é apenas o desfecho de um processo criminal: ela expõe as relações promíscuas entre política e dinheiro público em Itacoatiara, e coloca sob escrutínio o grupo político do prefeito Mário Abraham, que agora precisa responder à sociedade sobre os limites da influência e da impunidade dentro da própria base de governo.
*Fonte: OABUTRE