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Desequilíbrio nas contas públicas e juros fazem dólar flertar com R$ 6

Praticamente estacionado acima dos R$ 5 desde o dia 16 de março de 2020, o dólar se acomodou no patamar antes inimaginável pela equipe econômica comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Mais que isso: agora se aproxima do nível de R$ 6 (veja a evolução no gráfico abaixo).

“É um câmbio que flutua. Se fizer muita besteira, [o dólar] pode ir para esse nível [de R$ 5]. Se fizer muita coisa certa, ele pode descer”, disse Guedes em conversa com jornalistas após evento na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) há um ano.

Na ocasião, o Brasil enfrentava os primeiros efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus e havia uma escalada dos embates entre o Planalto e o Congresso. Guedes ainda citou a renúncia do presidente Jair Bolsonaro como uma das besteiras que resultariam no atual patamar da moeda.

O professor de finanças do Ibmec Alexandre Cabral avalia que a combinação entre coronavírus, problemas fiscais e “mini coisas”, como o atraso no processo de vacinação contra a covid-19, as brigas do presidente Jair Bolsonaro com o Congresso e a recente interferência na Petrobras, afastaram os investidores e resultaram na alta significativa do dólar.

Cabral recorda que os investidores passaram a “ter medo” de aplicar recursos no Brasil devido ao salto da dívida para R$ 800 bilhões. “A gente passou a ter um problema de dúvida do mercado financeiro sobre a possibilidade de o governo brasileiro não ter condições de honrar com aquele rombo”, explica ele.

O sócio-fundador da Zeneconomics e especialista no mercado de opções Luiz Fernando Roxo atribui o salto do dólar ao descompasso das contas públicas e ao baixo nível dos juros. Combinados, esses dois fatores se juntaram aos efeitos prolongados da pandemia, que atrapalham as políticas econômicas.

“Por mais que o governo tenha conseguido conduzir com as presidências da Câmara e do Senado [no horizonte das reformas], houve aumento do endividamento por conta da pandemia, como o auxílio emergencial e a rolagem da dívida. Foi isso que causou um desequilíbrio nas contas e o aumento do endividamento”, avalia.

Ainda assim, Roxo enfatiza que a manutenção dos juros ao menor patamar da história afasta o ingresso de investimentos, o que consequentemente puxa a cotação da moeda norte-americana para cima. Grosso modo: com menos investidores estrangeiros aqui, menos dólar disponível no Brasil e, consequentemente, preços mais altos da moeda americana.

“O problema é que a gente já baixou tanto os juros que não vale a pena para o gringo trazer o dinheiro para o Brasil”, explica ele de forma didática.

Na percepção de Cabral, o atraso no debate para a aprovação do Orçamento para 2021 é outro fator responsável pela valorização da moeda norte-americana ante o real. “O governo até hoje não disse de onde vai retirar os recursos para pagar uma nova rodada necessária de assistencialismo”, lamenta o professor.

Roxo observa ainda que a fala de Guedes foi feita antes do cenário de crise sanitária, quando o impacto econômico previsto ainda era tímido. “As despesas fixas são travadas, não dá para fazer um trabalho muito bem feito. A reforma fiscal que não está nem no radar, a reforma administrativa também está atrasada. Estamos para trás no mundo, atrasados no combate à pandemia”, completa o cofundador da Zeneconomics.

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Desde quando virou os R$ 5, a cotação da moeda norte-americana ante o real só fechou abaixo do valor em quatro oportunidades, entre os dias 5 e 10 de junho do ano passado. No período, o dólar também bateu recordes e ficou a apenas 1,67% dos R$ 6. Hoje, cada dólar equivale a R$ 5,684, conforme a cotação de fechamento da última sexta-feira (5).

Na semana passada, próprio Guedes falou sobre a ameaça de o Brasil se tornar a Argentina em seis meses ou a Venezuela em 1 ano e meio. A condição seria continuar as políticas públicas de governos anteriores, que beneficiavam grandes empresas com empréstimos de bancos públicos, alidas ao descontrole dos gastos públicos e à escalada da taxa básica de juros.

“Para virar a Argentina, seis meses. Para virar a Venezuela, um ano e meio. Se fizer errado, vai rápido. Agora, quer ir para o outro lado? Quer virar Alemanha ou Estados Unidos? 10 ou 15 anos na outra direção”, afirmou superministro e chefe da área econômica do governo.

Futuro

Ao olhar para os próximos meses, o sócio da Zeneconomics prevê que uma trajetória de alta da Selic, prevista para começar já neste mês de março, deve fazer o dólar recuar a um patamar mais próximo dos R$ 5.

“A previsão é ver o dólar para baixo. O real é a moeda que mais apanhou no mundo entre todas, em torno 22% no último ano, então acho que o BC vai aumentar a Selic em 0,5 ponto percentual. Com isso, o dólar pode voltar para R$ 5,20 ou R$ 5,10”, estima.

Cabral, por sua vez, diz estar ainda mais pessimista do que otimista no momento. “Acho que tem mais chance de chegar a R$ 5,80 do que a R$ 5,20”, afirma ele ao citar a possível fuga de investidores do Brasil em busca de juros em alta nos Estados Unidos.

De acordo com Roxo, uma simples sinalização de andamento das reformas administrativas já é capaz de mudar a trajetória da moeda norte-americana. “Se a gente não fizer nenhuma bobagem e houver ao menos expectativa da reforma, o mercado já reage, porque é movido a expectativas. Só uma mudança de perspectiva já colocaria o dólar em R$ 5,30 em dois ou três meses”, finaliza.